terça-feira, 21 de julho de 2009

A providência divina

A Providência é a solicitude de Deus para com as suas criaturas. É a suprema sabedoria com que o Criador conduz todas as coisas, é o cuidado constante, o zelo ininterrupto, [...] é o espírito superior, e o anjo velando sobre o infortúnio, é o consolador invisível, [...] é o farol aceso no meio da noite, para a salvação dos que erram sobre o mar tempestuoso da vida. A Providência é, ainda, principalmente, o amor divino derramando-se a flux sobre suas criaturas.
Deus [...] está em toda a parte, tudo vê, a tudo preside, mesmo às coisas mais íntimas. É nisto que consiste a ação providencial. Como pode Deus, tão grande, tão poderoso, tão superior a tudo, imiscuir-se em pormenores ínfimos, preocupar-se com os menores atos e os menores pensamentos de cada indivíduo? Esta a interrogação que a si mesmo dirige o incrédulo, concluindo por dizer que, admitida a existência de Deus, só se pode admitir, quanto à sua ação, que ela se exerça sobre as leis gerais do Universo; que este funcione de toda a eternidade em virtude dessas leis, às quais toda criatura se acha submetida na esfera de suas atividades, sem que haja mister a intervenção incessante da Providência.
Achamo-nos então, constantemente, em presença da Dinvidade; nenhuma das nossas ações lhe podemos subtrair ao olhar; o nosso pensamento está em contato ininterrupto com o seu pensamento, havendo, pois, razão para dizer-se que Deus vê os mais profundos refolhos do nosso coração. Estamos nele, como ele está em nós, segundo a palavra do Cristo. Para entender a sua solicitude a todas as criaturas, não precisa Deus lançar o olhar do Alto da imensidade. As nossas preces, para que ele as ouça, não precisam transpor o espaço, nem ser ditas com voz retumbante, pois que, estando de contínuo ao nosso lado, os nossos pensamentos repercutem nele. Os nossos pensamentos são como os sons de um sino, que fazem vibrar todas as moléculas do ar ambiente.
Nada absta a que se admita, para o princípio da soberana inteligência, um centro de ação, um foco principal a irradiar incessantemente, inundando o Universo com seus eflúvios, como o Sol com a sua luz. Mas onde esse foco? É o que ninguém pode dizer. Provavelmente, não se acha fixado em determinado ponto, como não o está a sua ação, sendo também provável que percorra constantemente as regiões do espaço sem fim. Se simples Espíritos têm o dom da ubiquidade, em Deus há de ser sem limites essa faculdade. Enchendo Deus o Universo, poder-se-ia ainda admitir, a título de hipótese, que esse foco não precisa transportar-se, por se formar em todas as partes onde a soberana vontade julga conveniente que ele se produza, donde o poder dizer-se que está em toda a parte e em parte nenhuma.

A ação providencial de Deus pode ser percebida nas seguintes palavras de Emmanuel:

" Se acreditas que o hábito das entidades angélicas bafeja exclusivamente os cultivadores da virtude, medita na Providência Divina que honra o Sol, na grandeza do Espaço, mas induzindo-o sustentar os seres que ainda jazem colados à crosta do Planeta, inclusive os últimos vermes que rastejam no chão.
Contempla os quadros que te circundam, em todas as direções, e reconhecerás o Amor Infinito buscando suprimir, em silêncio, as situações deprimentes da natureza.
Cachoeiras cobrem abismos.
Fontes alimentam a terra seca.
Astros clareiam o céu noturno.
Flores valorizam espinheirais.
No campo de pensamento em que estagias, surpreenderás esse mesmo Infinito Amor, procurando extinguir as condições inferiores da Humanidade.
Pais transfigurados em gênios de ternura.
Professores desfazendo as sombras da ignorância.
Médicos a sanarem doenças.
Almas generosas socorrendo a necessidade."

Entendemos, assim, que Deus se ocupa com todos os seres que criou, por mais pequeninos que sejam. Nada, para a sua bondade, é destituído de valor.
Devemos, entretanto, considerar que, a despeito da ação providencial de Deus para com todas as suas criaturas, estamos vinculados aos resultados do nosso livre-arbítrio. Dessa forma, todas [...] nossas ações estão submetidas às leis de Deus. Nenhuma há, por mais insignificante que nos pareça, que não possa ser uma violação daquelas leis. Se sofremos as consequências dessa violação, só nos devemos queixar de nós mesmos, que desse modo nos fazemos os causadores da nossa felicidade, ou da nossa infelicidade futuras.
Fica claro, portanto, que a Providência Divina se manifesta duplamente:
sob a forma de misericórdia e de justiça, porque a [...] compaixão, filha do Amor, desejará estender sempre o braço que salva, mas a injustiça, filha da Lei, não prescinde da ação que retifica. Haverá recursos da misericórdia para as situações mais deploráveis. Entretanto, a ordem legal do Universo cumprir-se-á, invariavelmente. Em virtude, pois, da realidade, é justo que cada filho de Deus assuma responsabilidades e tome resoluções por si mesmo.
As provações da vida representam, assim, os cuidados de Deus para com todos os seus filhos, oferecendo-lhes benditas oportunidades de progresso espiritual, como nos esclarece o benfeitor Emmanuel:
"Em todas as provas que te assaltem os dias, considera a quota das bênçãos que te rodeiam, e, escorando-te na fé e na paciência, reconhecerás que a Divina Providência está agindo contigo e por teu intermédio, sustentando-te, em meios dos problemas que te marcam a estrada, para doar-lhes a solução.
Diante desses problemas insondáveis, cumpre que a nossa razão se humilhe. Deus existe: disso não poderemos duvidar. É infinitamente justo e bom: essa a sua essência. A tudo se estende a sua solicitude: compreendemo-lo. Só o nosso bem, portanto, pode ele querer, donde se segue que devemos confiar nele: é o essencial. Quanto ao mais, esperemos que nos tenhamos tornado dignos de o compreender.
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Observai os pássaros do céu*
Não ajunteis tesouros na Terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam. Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam, nem roubam. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração. [...]
Por isso, vos digo: não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que a vestimenta? Olhais para as aves do céu, que não semeiam, nem sagam, nem ajuntam em celeiros; e o vosso Pai celestial as alimenta.
Não tendes vós muito mais valor do que elas? E qual de vós poderá, com todos os seus cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura? e, quanto ao vestuário, porque ainda solícitos?
Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pequena fé?
Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos ou que beberemos ou com que nos vestiremos? ( Porque todas essas coisas os gentios procuram. ) Decerto, vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas essas coisas; mas buscai primeiro o Reino de Deus, e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas. Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã uidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.
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*Mateus, 6: 19-21 e 25-34.
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segunda-feira, 20 de julho de 2009

Atributos da divindade

A inferioridade das faculdades do homem não lhe permite compreender a natureza íntima de Deus. Na infância da Humanidade, o homem o confunde muitas vezes com a criatura, cujas imperfeições lhe atribui; mas, à medida que nele se desenvolve o senso moral, seu pensamento penetra melhor no âmago das coisas; então, faz idéia mais justa da Divindade e, ainda que sempre incompleta, mais conforme à sã razão.
Quando dizemos que Deus é eterno, infinito, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom, temos idéia completa de seus atributos?
A este questionamento de Allan Kardec responderam os Espíritos Superiores: Do vosso ponto de vista, sim, porque credes abranger tudo. Sabei, porém, que há coisas que estão acima da inteligência do homem mais inteligente, as quais a vossa linguagem, restrita às vossas idéias e sensações, não tem meios de exprimir. A razão, com efeito, vos diz que Deus deve possuir em grau supremo essas perfeições, porquanto, se uma lhe faltasse, ou não fosse infinita, já ele não seria superior a tudo, não seria, por conseguinte, Deus.
Para estar acima de todas as coisas, Deus tem que se achar isento de qualquer vicissitude e de qualquer das imperfeições que a imaginação possa conceber.

Deus é a suprema e soberana inteligência. É limitada a inteligência do homem, pois que não pode fazer, nem compreender, tudo o que existe. A de Deus, abrangendo o infinito, tem que ser infinita. Se a supuséssemos limitada num ponto qualquer, poderíamos conceber outro ser mais inteligente, capaz de compreender e fazer o que o primeiro não faria e assim por diante, até ao infinito.

Deus é eterno, isto é, não teve começo e não terá fim. Se tivesse tido princípio, houvera saído do nada. Ora, não sendo o nada coisa alguma, coisa nenhuma pode produzir. Ou, então, teria sido criado por outro ser anterior e, nesse caso, este ser é que seria Deus.
Se lhe supuséssemos um começo ou fim, poderíamos conceber uma entidade existente antes dele e capaz de lhe sobreviver, e assim por diante, ao infinito.

Deus é imutável. Se estivesse sujeito a mudanças, nenhuma estabilidade teriam as leis que regem o Universo.

Deus é imaterial, isto é, a sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria. De outro modo, não seria imutável, pois estaria sujeito às transformações da matéria. Deus carece de forma apreciável pelos nossos sentidos, sem o que seria matéria. Dizemos: a mão de Deus, o olho de Deus, a boca de Deus, porque o homem, nada mais conhecendo além de si mesmo, toma a si próprio por termo de comparação para tudo o que não compreende. São ridículas essas imagens em que Deus é representado pela figura de um ancião de longas barbas e envolto num manto. Têm o inconveniente de rebaixar o Ente supremo até as mesquinhas proporções da Humanidade. Daí a lhe emprestarem as paixões humanas e a fazerem-no um Deus colérico e cioso, não vai mais que um passo.

Deus é onipotente. Se não possuísse o poder supremo, sempre se poderia conceber uma entidade mais poderosa e assim por diante, até chegar-se ao ser cuja potencialidade nenhum outro ultrapassasse. Esse então é que seria Deus.

Deus é soberanamente justo e bom. A providencial sabedoria das leis divinas se revela nas mais quepeninas coisas, como nas maiores, não permitindo essa sabedoria que se duvide da sua justiça, nem da sua bondade. O fato de ser infinita uma qualidade, exclui a possibilidade de uma qualidade contrária, porque esta apoucaria ou anularia. Um ser infinitamente bom não poderia conter a mais insignificante parcela de bondade, do mesmo modo que um objeto não pode ser de um negro absoluto, com a mais ligeira nuança de branco, nem de um branco absoluto com a mais pequenina mancha preta. Deus, pois, não poderia ser simultaneamente bom e mau, porque então, não possuindo qualquer dessas duas qualidades no grau supremo, não seria Deus; todas as coisas estariam sujeitas ao seu capricho e para nenhuma haveria estabilidade.
Não poderia ele, por conseguinte, deixar de ser ou infinitamente bom ou infinitamente mau. Ora, como suas obras dão testemunho da sua sabedoria, da sua bondade e da sua solicitude, concluir-se-á que, não podendo ser ao mesmo tempo bom e mau sem deixar de ser Deus, ele necessariamente tem de ser infinitamente bom. A soberana bondade implica a soberana justiça, porquanto, se ele procedesse injustamente ou com parcialidade numa só circunstância que fosse, ou com relação a uma só de suas criaturas, já não seria soberanamente justo e, em consequência, já não seria soberanamente justo e, em consequência, já não seria soberanamente bom.

Deus é infinitamente perfeito. É impossível conceber-se Deus sem o infinito das perfeições, sem o que não seria Deus, pois sempre se poderia conceber um ser que possuísse o que lhe faltasse. Para que nenhum ser possa ultrapassá-lo, faz-se mister que ele seja infinito em tudo. Sendo infinitos, os atributos de Deus não são suscetíveis nem de aumento, nem de diminuição, visto que, do contrário, não seriam infinitos e Deus não seria perfeito. Se lhe tirassem a qualquer dos atributos a mais mínima parcela, já não haveria Deus, pois que poderia existir um ser mais perfeito.

Deus é único. A unidade de Deus é consequência do fato de serem infinitas as suas perfeições. Não poderia existir outro Deus, salvo sob a condição de ser igualmente infinito em todas as coisas, visto que, se houvesse entre eles a mais ligeira diferença, um seria inferior ao outro, subordinado ao poder desse outro e, então, não seria Deus. Se houvesse entre ambos igualdade absoluta, isso equivaleria a existir, de toda a eternidade, um mesmo pensamento, uma mesma vontade, um mesmo poder.
Confundidos assim, quanto à identidade, não haveria, em realidade, mais que um único Deus. Se cada um tivesse atribuições especiais, um não faria o que o outro fizesse; mas, então, não existiria igualdade perfeita entre eles, pois que nenhum possuiria a autoridade soberana.
A mais elevada concepção de Deus que podemos abrigar no Santuário do Espírito é aquela que Jesus nos apresentou, em no-lo revelando Pai amoroso e justo, à espera dos nossos testemunhos de compreensão e de amor.
Jesus não [...] se sentou na praça pública para explicar a natureza de Deus e, sim, chamou-lhe simplesmente "Nosso Pai", indicando os deveres de amor e reverência com que nos cabe contribuir na extensão e no aperfeiçoamento da Obra Divina.
Por este ensinamento, o Cristo nos esclarece que todos [...] somos irmãos, filhos de um só Pai, que nos aguarda sempre, de braços abertos, para a suprema felicidade no eterno bem!...
O Mestre queria dizer-nos que Deus, acima de tudo, é nosso Pai. Criador dos homens, das estrelas e das flores. Senhor dos céus e da Terra. Para Ele, todos somos filhos abençoados. Com essa afirmativa, Jesus igualmente nos explicou que somos no mundo uma só família e que, por isso, todos somos irmãos, com o dever de ajudar-nos uns aos outros [...]. Na condição de aprendizes do nosso Divino Mestre, devemos seguir-lhe o exemplo. Se sentirmos Deus como Nosso Pai, reconheceremos que os nossos irmãos se encontram em toda a parte e estaremos dispostos a ajudá-los, a fim de sermos ajudados, mais cedo ou mais tarde. A vida só será realmente bela e gloriosa, na Terra, quando pudermos aceitar por nossa grande família a Humanidade inteira.
Em resumo, Deus não pode ser Deus, senão sob a condição de que nenhum outro o ultrapasse, porquanto o ser que o excedesse no que quer que fosse, ainda que apenas na grossura de um cabelo, é que seria o verdadeiro Deus. Para que tal não se dê, indispensável se torna que ele seja infinito em tudo. É assim que, comprovada pelas suas obras a existência de Deus, por simples dedução lógica se chega a determinar os atributos que o caracterizam.
Deus é, pois, a inteligência suprema e soberana, é único, eterno, imutável, imaterial, onipotente, soberanamente justo e bom, infinito em todas as perfeições, e não pode ser diverso disso.

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Deus*

Antero de Quental

Quem, senão Deus, criou obra tamanha,
O espaço e o tempo, as amplidões e as eras,
Onde se agitam turbilhões de esferas,
Que a luz, a excelsa luz, aquece e banha?
Quem, senão ELE, fez a esfinge estranha
No segredo inviolável das moneras,
No coração dos homens e das feras,
No coração do mar e da montanha?!
Deus!...somente o Eterno, o Impenetrável,
Poderia criar o imensurável
E o Universo infinito criaria!...
Suprema paz, intérmina piedade,
E que habita na eterna claridade
Das torrentes da Luz e da Harmonia!
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*XAVIER, Francisco Cândido. Parnaso de além-túmulo. Diversos Espíritos. ( Pelo Espírito Antero de Quental ). 18. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006, p.90.
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sexta-feira, 17 de julho de 2009

Provas da existência de Deus


Cada religião [...] explica Deus à sua maneira; cada teoria o descreve a seu modo. E de tudo isso resulta uma confusão, um caos inextricável. [...] Dessa confusão, os ateus têm tirado argumentos para negar a existência de Deus; os positivistas, para o declarar - incognoscível -. Como remediar tal desordem? Como escapar a essas contradições? Da mais simples maneira. Basta elevarmo-nos acima das teorias e dos sistemas, bastante alto para as ligar em seu conjunto e pelo que têm de comum. Basta elevarmo-nos até à grande Causa, na qual tudo se resume e tudo se explica.
Duvidar da existência de Deus é negar que todo efeito tem uma causa e declarar que o nada pode fazer alguma coisa. A prova da existência de Deus, como dizem os Espíritos Superiores, pode ser encontrada em um [...] axioma que aplicais às vossas ciências. Não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem e a vossa razão responderá.
Vemos constantemente uma imensidade de efeitos, cuja causa não está na Humanidade, pois que a Humanidade é impotente para produzi-los, ou, sequer, para os explicar. [...] Tais efeitos absolutamente não se produzem ao acaso, fortuitamente e em desordem. Desde a organização do mais pequenino inseto e da mais insignificante semente, até a lei que rege os mundos que circulam, no Espaço, tudo atesta uma idéia diretora, uma combinação, uma providência, uma solicitude, que ultrapassam todas as combinações humanas. A causa é, pois, soberanamente inteligente.
Constitui princípio elementar que pelos seus efeitos é que se julga de uma causa, mesmo quando ela se conserve oculta. Se, fendendo os ares, um pássaro é atingido por mortífero grão de chumbo, deduz-se que hábil atirador o alvejou, ainda que este último não seja visto. Nem sempre, pois, se faz necessário vejamos uma coisa, para sabermos que ela existe. Em tudo, observando os efeitos é que se chega ao conhecimento das causas.
Outro princípio igualmente elementar e que, de tão verdadeiro, passou a axioma, é o de que todo efeito inteligente tem que decorrer de uma causa inteligente. Se perguntassem qual o construtor de certo mecanismo engenhoso, que pensaríamos de quem respondesse que ele se fez a si mesmo? Quando se contempla uma obra-prima da arte ou da indústria, diz-se que há de tê-la produzido um homem de gênio, porque só uma alta inteligência poderia concebê-la. Reconhece-se, no entanto, que ela é obra de um homem, por se verificar que não está acima da capacidade humana; mas, a ninguém acudirá a idéia de dizer que saiu do cérebro de um idiota ou de um ignorante, nem, ainda menos, que é trabalho de um animal, ou produto do acaso.
Não podendo nenhum ser humano criar o que a Natureza produz, a causa primária [ primeira] é, conseguintemente, uma inteligência superior à Humanidade. Quaisquer que sejam os prodígios que a inteligência humana tenha operado, ela própria tem uma causa e, quando maior for o que opere, tando maior há de ser a causa primária [ primeira]. Aquela inteligência superior é que é a causa primária [ primeira ] de todas as coisas, seja qual for o nome que lhe dêem.
Pois bem! Lançando o olhar em torno de si, sobre as obras da Natureza, notando a providência, a sabedoria, a harmonia que presidem a essas obras, reconhece o observador não haver nenhuma que não ultrapasse os limites da mais portentosa inteligência humana. Ora, desde que o homem não as pode produzir, é que elas são produto de uma inteligência superior à Humanidade, a menos que se sustente que há efeitos sem causa.
A harmonia existente no mecanismo do Universo patenteia combinações e desígnios determinados e, por isso mesmo, revela um poder inteligente. Atribuir a formação primária ao acaso é insensatez, pois que o acaso é cego e não pode produzir os efeitos que a inteligência produz. Um acaso inteligente já não seria acaso.
Deus não se mostra, mas se revela pelas suas obras.
A existência de Deus é, pois, uma realidade comprovada não só pela revelação, como pela evidência material dos fatos. Os povos selvagens nenhuma revelação tiveram; entretanto, crêem institivamente na existência de um poder sobre-humano. Eles vêem coisas que estão acima das possibilidades do homem e deduzem que essas coisas provêm de um ente superior à Humanidade. Não demonstram raciocinar com mais lógica do que os que pretendem que tais coisas se fizeram a si mesmas?

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Existência de Deus*

Conta-se que um velho árabe analfabeto orava com tanto fevor e com tanto carinho, cada noite, que certa vez, o rico chefe de grande caravana chamou-o à sua presença e lhes perguntou:

- Por que oras com tanta fé? Como sabes que Deus existe, quando nem ao menos sabes ler?
O crente fiel respondeu:
- Grande senhor, conheço a existência de Nosso Pai Celeste pelos sinais dele.
- Como assim? - indagou o chefe, admirado.
O servo humilde explicou-se:
- Quando o senhor recebe uma carta de uma pessoa ausente, como reconhece quem a escreveu?
- Pela letra.
- Quando o senhor recebe uma jóia, como é que se informa quanto o autor dela?
- Pela marca do ourives.
O empregado sorriu e acrescentou:
- Quando ouve passos de animais, ao redor da tenda, como sabes, depois, se foi um carneiro, um cavalo ou um boi?
- Pelos rastros - respondeu o chefe, surpreendido.
Então, o velho crente convidou-o para fora da barraca e, mostrando-lhe o céu onde a lua brilhava, cercada por multidões de estrelas, exclamou, respeitoso:
- Senhor, aqueles sinais, lá em cima, não podem ser dos homens!
Nesse momento, o orgulhoso caravaneiro, de olhos lacrimosos, ajoelhou-se na areia e começou a orar também.

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*XAVIER, Franisco Cândido. Pai nosso. Pelo Espírito Meimei. 27. ed. Rio de Janeiro: FEB.
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quarta-feira, 15 de julho de 2009

Existência de Deus

O homem que desconhece Deus e não quer saber que forças, que recursos, que socorros d'Ele promanam, esse é comparável a um indigente que habita ao lado de palácios, cheios de tesouros, e se arrisca a morrer de miséria diante da porta que lhe está aberta e pela qual tudo o convida a entrar.
A crença em Deus [...] se afirma e se impõe, fora e acima de todos os sistemas, de todas as filosofias, de todas as crenças. O homem [...] não se pode desinteressar dela porque o homem é um ser [ pensante ]. O homem vive, e importa-lhe saber qual é a fonte, qual é a causa, qual é a lei da vida. A opinião que tem sobre a causa, sobre a lei do Universo, essa opinião, quer ele queira ou não, quer saiba ou não, se reflete em seus atos, em toda a sua vida pública ou particular.
A questão de Deus é o mais grave de todos os problemas suspensos sobre nossas cabeças e cuja solução se liga, de maneira restrita, imperiosa, ao problema do ser humano e do seu destino, ao problema da vida individual e da vida social.
O conhecimento da verdade sobre Deus, sobre o mundo e a vida é o que há de mais essencial, de mais necessário, porque é Ele que nos sustenta, nos inspira e nos dirige, mesmo à nossa revelia.
A crença em Deus está instintivamente impressa na mente humana. À medida que o homem evolui, apura-se também a crença em Deus. Dessa forma, como nos ensinam os Espíritos Superiores, o sentimento instintivo de crer em Deus nos prova que Deus existe. É também [...] uma consequência do princípio - não há efeito sem causa.
Poder-se-ia argumentar que a crença em Deus resulta da educação recebida, consequência das idéias adquiridas. Entretando, esclarecem os Espíritos da Codificação, se [...] assim fosse, porque existiria nos vossos selvagens esse sentimento?
Opinando a respeito, Kardec nos elucida: Se o sentimento da existência de um ser supremo fosse tão-somente produto de um ensino, não seria universal e não existiria senão nos que houvessem podido receber esse ensino, conforme se dá com as noções científicas.
Deus nos fala por todas as vozes do Infinito. E fala, não em uma Bíblia escrita há séculos, mas em uma bíblia que se escreve todos os dias, com estes característicos majestosos, que se chamam oceanos, montanhas e astros do céu; por todas as harmonias, doces e graves, que sabem do imo da Terra ou descem dos espaços etéreos. Fala ainda no santuário do ser, nas horas de silêncio e de meditação. Quando os ruídos discordantes da vida material se calam, então a voz interior, a grande voz desperta e se faz ouvir. Essa voz sai da profundeza da consciência e nos fala dos deveres, do progresso, da ascensão da criatura. Há em nós uma espécie de retiro íntimo, uma fonte prufunda de onde podem jorrar ondas de vida, de amor, de virtude, de luz. Ali se manifesta esse reflexo, esse gérmen divino, escondido em toda a Alma humana.
A história da idéia de Deus mostra-nos que ela sempre foi relativa ao grau intelectual dos povos e de seus legisladores, correspondendo aos movimentos civilizadores, à poesia dos climas, às raças, à florescência de diferentes povos; enfim, aos progressos espirituais da Humanidade. Descendo pelo curso dos tempos, assistimos sucessivamente aos desfalecimentos e tergiversações dessas idéias imperecível, que, às vezes fulgurante e outras vezes eclipsada, pode, todavia, ser identificada sempre, nos fastos da Humanidade. Liga-se [...] estreitamente à idéia de Lei, e assim à de dever a de sacrifício. A idéia de Deus liga-se a todas as noções indispensáveis à ordem, à harmonia, à elevação dos seres e das sociedades. Eis por que, logo que a idéia de Deus se enfraquece, todas essas noções se debilitam; desaparecem, pouco a pouco, para dar lugar ao personalismo, à presunção, ao ódio por toda autoridade, por toda direção, por toda lei superior.
Diremos, pois, que desconhecer, desprezar a crença em Deus e na comunhão do pensamento que Ele se liga [...] seria, ao mesmo tempo, desconhecer o que há de maior, e desprezar as potências interiores que fazem a nossa verdadeira riqueza.
Seria calcar aos pés nossa própria felicidade, tudo que pode fazer nossa elevação, nossa glória, nossa ventura.
A idéia de Deus impõe-se por todas as faculdades do nosso Espírito, ao mesmo tempo que nos fala aos nossos olhos os esplendores do Universo. A inteligência suprema revela a causa eterna, na qual todos os seres vêm haurir a força, a luz e a vida. Aí está o Espírito Divino, o Espírito Potente, que se venera sob tantas denominações; mas, sob todos esses nomes, é sempre o centro, a lei viva, a razão pela qual os seres e os mundos se sentem viver, se conhecem, se renovam e elevam.
Viver sem a crença em ser superior é negar a obra da Criação; é omitir o evidente, o real; é alimentar o nosso orgulho; é permanecer no estado de ignorância em que ainda nos encontramos, é, em suma, negar a realidade que está ao alcance de todos, pois tudo no Universo, o visível e o invisível, e, principalmente, a nossa consciência, nos fala de um Ser superior.
A crença em Deus é, além disso, questão essencial para o entendimento da Doutrina Espírita. Entretanto, para elucidar esse assunto de tão magna importância, [...] temos agora recursos mais elevados que os do pensamento humano; temos o ensino daqueles que deixaram a Terra, a apreciação das Almas que, tendo franqueado o túmulo, nos fazem ouvir, do fundo do mundo invisível, seus conselhos, seus apelos, suas exortações. Verdade é que nem todos os Espíritos são igualmente aptos a trartar dessas questões. [...] Nem todos estão igualmente desenvolvidos; não chegaram todos ao mesmo grau de evolução. [...] Acima, porém, da multidão das Almas obscuras, ignorantes, atrasados, há Espíritos eminentes, descidos das esferas [ superiores ] para esclarecer e guiar a Humanidade. Ora, que dizem esses Espíritos sobre a questão de Deus? A existência da Potência Suprema é afirmada por todos os Espíritos elevados. Todos [...] aqueles cujos ensinamentos têm reconfortado as nossas almas, mitigado nossas misérias, sustentado nossos desfalecimentos, são unânimes em afirmar, em repetir, em reconhecer a alta Inteligência que governa os seres e os mundos.
Eles dizem que essa Inteligência se revela mais brilhante e mais sublime à medida que se escalam os degraus da vida espiritual.
Assim, nos esclarecem os Espíritos Superiores na primeira questão de O Livro dos Espíritos:
Que é Deus?
Deus é a inteligência suprema, causa primária [ primeira ] de todas as coisas.
Afirmando a existência de uma causa primeira no Universo, os Espíritos Superiores trazem, dessa forma, um novo conceito de Deus para a Humanidade pelas religiões de um modo geral. Pode-se levar mais longe do que temos feito a definição de Deus? Definir é limitar. Em face deste grande problema, a fraqueza humana aparece. Deus impõe ao nosso Espírito, porém escapa a toda análise. O Ser que enche o tempo e o espaço não será jamais medido por seres limitados pelo tempo e pelo espaço. Querer definir Deus seria circunscrevê-lo e quase negá-lo [...].
Para resumir, tanto quanto podemos, tudo o que pensamos referente a Deus, diremos que Ele é a Vida, a Razão, a Consciência em sua plenitude. É a causa eternamente operante de tudo o que existe. É a comunhão universal, onde cada ser vai sorver a existência, a fim de, em seguida, concorrer, na medida de suas faculdades crescentes e de sua elevação, para a harmonia do conjunto.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Concordância de princípios nas Obras da Codificação - unidade doutrinária

Existe uma concordância de princípios nas obras da Codificação Espírita, de forma que, em O Livro dos Espíritos - a primeira obra básica publicada - há um núcleo central e conceitos espíritas que compreende as partes primeira e segunda ( até o capítulo VI ), e que tratam, respectivamente, <<>> e do <<>>. A parte segunda, do capítulo VI ao XI, constitui a fonte de O Livro dos Médiuns. A parte terceira ( <<>> ), origina O Evangelho Segundo o Espiritismo. A parte quarta ( <<>> ) fornece subsídios para o livro O Céu e o Inferno. A Gênese, por sua vez, tem como fonte as partes primeira ( capítulos II, III e IV ), segunda ( capítulos IX, X e XI ) e terceira ( capítulos IV e V ). A Introdução e os Prolegômenos de O Livro dos Espíritos originou a obra O que é o Espiritismo. Esta obra, na verdade, não faz parte do chamado pentateuco Kardequiano. Foi citada para indicar a sua origem.

Essa concordância revela a unidade doutrinária do Espiritismo, conforme registra Deolindo Amorim, em seus Cadernos Doutrinários. Diz este eminente pensador espírita que O Livro dos Espíritos é a coluna central do Espiritismo, não só porque foi a primeira obra a ser publicada, mas porque nele estão inseridos os ensinos básicos da Doutrina. Todos os demais livros da Codificação contêm o desdobramento desses ensinos, constituindo com O Livro dos Espíritos um corpo de doutrina, em que todas as partes se ajustam de forma harmônica e interdependente. Assinala ainda o mencionado autor que, possuindo a Doutrina Espírita três aspectos fundamentais - científico, filosófico e religioso -, não poderiam esses ser estudados ou desenvolvidos de modo unilateral, sob pena de se quebrar a referida unidade doutrinária. Do mesmo modo, seria inconveniente fazer um estudo exclusivo de O Livro dos Espíritos, ou de O Evangelho segundo o Espiritismo, e assim por diante, porque, estando todas as obras da Codificação interligadas, perder-se-ia a visão de conjunto, indispensável à sua compreensão. Ressalta, por fim, que a força da Doutrina Espírita está, justamente, na segurança de sua unidade.
Concluindo com Emmanuel, pode-se dizer que [...] os princípios codificados por Allan Kardec abrem uma nova era para o Espírito humano, compelindo-o à auscultação de si mesmo, no reajuste dos caminhos traçados por Jesus ao verdadeiro progresso da alma, e explicam que o Espiritismo, por isso mesmo, é o disciplinador de nossa liberdade, não apenas para que tenhamos na Terra uma vida social dignificante, mas também para que tenhamos, no campo do espírito, uma vida individual harmoniosa, devidamente ajustada aos impositivos da Vida Universal Perfeita, consoante as normas de Eterna Justiça, elaboradas pelo supremo equilíbrio das Leis de Deus.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

A Gênese

Publicado em janeiro de 1868, com o nome de A Gênese - os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, este livro fecha o ciclo das obras da Codificação Espírita. Em sua folha de rosto está escrito: A Doutrina há resultado do ensino coletivo e concordante dos Espíritos. A Ciência é chamada a constituir a Gênese de acordo com as leis da Natureza. Deus prova a sua grandeza e seu poder pela imutabilidade das suas leis e não pela ab-rogação delas. Para Deus, o passado e o futuro são o presente. O objeto desta obra é, conforme o título indica, o estudo de três pontos, a saber: a gênese, propriamente dita, do I ao XII capítulo; os milagres, do XIII ao XV capítulo, e as predições, do XVI ao XVIII capítulo.
Em mensagem datada de dezembro de 1867, o Espírito São Luís, referindo-se ao livro que estava preste a surgir, assim se expressa: Esta obra vem a propósito, no sentido de que a Doutrina está hoje bem firmada do ponto de vista moral e religioso. Seja qual for a direção que tome doravante, tem raízes muito profundas no coração dos adeptos, para que ninguém possa temer se desvie ela de sua rota. O Espiritismo atualmente entra numa nova fase. Ao atributo de consolador alia o de instrutor e diretor do espírito, em ciência e em filosofia, como em moralidade. A caridade, sua base inabalável, dele fez o laço das almas eternas; a ciência, a solidariedade, a progressão, o espírito liberal dele farão o traço de união das almas fortes.
[...] A questão de origem que se liga à Gênese é para todos apaixonantes. Um livro escrito sobre esta matéria deve, em consequência, interessar a todos os espíritos sérios. Por esse livro, como vos disse, o Espiritismo entra numa nova fase e esta preparará as vias da fase que se abrirá mais tarde [...]. É que, com [...] o seu livro A Gênese, o Codificador abria uma brecha seriíssima em vasto domínios da Ciência, sem deixar, por isso, de penetrar em ínvios terrenos antes reservados à Teologia ou à Filosofia [...].
No que se refere à importância e oportunidade da obra, duas mensagens - endereçadas a Kardec pelos Espíritos que o secundam na sua elaboração - merecem destaque. A primeira, datada de setembro de 1867, diz o seguinte: Pessoalmente, estou satisfeito com o trabalho [ de elaboração de A Gênese ], mas a minha opinião pouco vale, a par da satisfação daqueles a quem ela transformará. O que, sobretudo, me alegra são as consequências que produzirá sobre as massas, tanto no espaço, quanto na Terra. A segunda, com data de julho de 1868, afirma: Está apenas em começo a impulsão que A Gênese produziu e muitos elementos, abalados por ela, se colocarão, dentro em pouco, sob a tua bandeira. Outras obras sérias também aparecerão, para acabar de esclarecer o juízo humano sobre a nova doutrina.
Conforme foi previsto nessas mensagens, muitos ficaram realmente abalados pelos novos estudos e, como consequência, surgiram importantes pesquisas, livros, tratados, marcas da fase nova na qual entrara o Espiritismo, de acordo com a afirmativa do Espírito São Luís: [...] o Espiritismo entra numa nova fase e esta preparará as vias da fase que se abrirá mais tarde [...] cada coisa deve vir a seu tempo.

O Céu e o Inferno

Pode-se ler na folha de rosto desse livro o seguinte: Exame comparado das doutrinas sobre a passagem da vida corporal à vida espiritual, sobre as penalidades e recompensas futuras, sobre os anjos e demônios, sobre as penas, etc., seguido de numerosos exemplos acerca da situação real da alma durante e depois da morte.
Foi publicado em 1° agosto de 1865, com o título O Céu e o Inferno, ou a Justiça Divina segundo o Espiritismo. É constituído de duas partes, tendo a primeira - intitulada Doutrina - onze capítulos e a segunda - denominada Exemplos - oito capítulos.
Em artigo publicado na Revista Espírita de setembro de 1865, Kardec, ao fazer a apresentação de O Céu e o Inferno, informa, principalmente, o objetivo do livro, as matérias e a forma como aí foram organizadas. São suas palavras: O título desta obra indica claramente o seu objetivo. Aí reunimos todos os elementos próprios para esclarecer o homem sobre o seu destino.
A primeira parte desta obra, intitulada Doutrina, contém o exame comparado das diversas crenças sobre o céu e o inferno, os anjos e os demônios, as penas e as recompensas futuras; o dogma das penas eternas aí é encarado de maneira especial e refutado por argumentos tirados das próprias leis da Natureza, é que demonstram não só o seu lado ilógico, já assinalado centenas de vezes, mas a sua impossibilidade material. Com as penas eternas caem, naturalmente, as consequências que se acreditava delas poder tirar.
A segunda parte encerra numerosos exemplos em apoio da teoria, ou, melhor, que serviram para estabelecer a teoria. Colhem sua teoria na diversidade dos tempos e lugares onde foram obtidas, porquanto, se emanassem de uma única fonte, poderiam ser consideradas como produto de uma mesma influência. Além disso, colhem-na na sua concordância com o que diariamente se obtém em toda parte onde se ocupam das manifestações espíritas de um ponto de vista sério e filosófico. Esses exemplos poderiam ter sido multiplicados ao infinito, pois não há centro espírita que não os possa fornecer em notável contigente. Para evitar repetições fastidiosas, tivemos de fazer uma escolha entre os mais instrutivos. Cada um desses exemplos é um estudo em que todas as palavras têm o seu alcance para quem quer que as medite com atenção, porque de cada lado jorra uma luz sobre a situação da alma depois da morte, e a passagem, até então tão obscura e tão temida, da vida corporal à vida espiritual. É o guia do viajor, antes de entrar num país novo. A vida de além-túmulo aí se desdobra sob todos os seus aspectos, com um vasto panorama; cada um aí colherá novos motivos de esperança e de consolação, e novos suportes para firmar a fé no futuro e na justiça de Deus.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

O Evangelho Segundo o Espiritismo

Este livro - com a explicação das máximas morais do Cristo em concordância com o Espiritismo e suas aplicações às diversas circunstância da vida - foi publicado em abril de 1864, com o título Imitação do Evangelho segundo o Espiritismo. A partir da 2° edição, em 1865, surge com o novo nome - O Evangelho Segundo o Espiritismo. Contém ele um índice de referências bíblicas; o prefácio, que se constitui de uma mensagem assinada pelo Espírito da Verdade e que, de acordo com a nota de rodapé colocada pela editora (FEB), resume a um tempo o caráter do Espiritismo e a finalidade desta obra [...]. A introdução contém quatro itens, e o corpo da obra vinte e oito capítulos.
Podem dividir-se em cinco partes as matérias contidas nos Evangelhos: os atos comuns da vida do Cristo; os milagres; as predições; as palavras que foram tomadas pela Igreja para fundamento de seus dógmas; e o ensino moral. As quatro primeiras têm sido objeto de controvérsias; a última, porém, conservou-se constantemente inatacável. Diante desse Código Divino, a própria incredulidade se curva. É terreno onde todos os cultos podem reunir-se, estandarte sob o qual podem todos colocar-se, quaisquer que sejam suas crenças, porquanto jamais ele constituiu matéria das disputas religiosas, que sempre e por toda a parte se originaram das questões dogmáticas.
[...] Para os homens, em particular, constitui aquele Código uma regra de proceder que abrange todas as circunstâncias da vida privada e da vida pública, o princípio básico de todas as relações sociais que se fundam na mais rigorosa justiça. É, finalmente e acima de tudo, o roteiro infalível para a felicidade vindoura [...]. Assim argumentando, o Codificador justifica a escolha do ensino moral do Cristo para a elaboração do livro, constituindo-se, então, os princípios da moral evangélica em objeto exclusivo desta obra.
Em continuidade à tarefa, as máximas são grupadas e classificadas metodicamente, de acordo com a sua natureza - e não mais em ordem cronológica -, de modo que decorram umas das outras. Com esse material didaticamente organizado, e utilizando-se da chave que o Espiritismo lhe oferece - a realidade do mundo espiritual e suas relações com o mundo corporal -, Kardec parte para a explicação das passagens obscuras e o desdobramento de todas as consequências, tendo em vista a aplicação dos ensinos a todas as condições de vida.
E essa chave, facultando compreensão do verdadeiro sentido dos pontos ininteligíveis dos Evangelhos, da Bíblia e dos autores sacros, permite se rasguem horizontes novos para o futuro, ao mesmo tempo que faculta a projeção de luz não menos viva sobre os mistérios do passado.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O Livro dos Médiuns

Segunda obra da Codificação, O Livro dos Médiuns, ou Guia dos médiuns e dos evocadores, veio a lume - em janeiro de 1861 - para [...] fazer sequência a O Livro dos Espíritos. Tendo englobado a Introdução Prática sobre as Manifestações Espíritas (*), obra publicada em 1858, O Livro dos Médiuns, muito mais completo, contém, de acordo com a sua folha de rosto, o ensino [...] especial dos Espíritos sobre a teoria de todos os gêneros de manifestações, os meios de comunicação com o mundo invisível, o desenvolvimento da mediunidade, as dificuldades e os tropeços que se podem encontrar na prática do Espiritismo. As matérias aí estão organizadas em duas partes, constituindo-se a primeira das noções preliminares, em quatro capítulos, enquanto que a segunda enfeixa, em trinta e dois capítulos, as manifestações espíritas.
Terminado o trabalho de construção da coluna central da Codificação Espírita - O Livro dos Espíritos -, era chegado o momento de estudar e expor aos homens os aspectos experimentais implícitos na Doutrina dos Espíritos [...], sobretudo no que diz respeito à prática da mediunidade, o mais importante desses aspectos, por ser o instrumento de comunicação entre os dois mundos. A propósito de que nos diz Pedro Barbosa: A mediunidade [...] é a fonte primordial dos ensinamentos da Doutrina, e suas tarefas constituem, hoje, sem dúvida, importante contribuição dos espíritas, que a elas se dedicam, à consolidação da fé raciocinada e ao retorno, à normalidade, das condições psíquicas alteradas daqueles que, enleados nas tramas da obsessão disfarçada e tenaz, procuram, agoniados, os centros espíritas, ou são a eles encaminhados. A comunicação entre os dois mundos, o corporal, material ou visível e o incorpóreo, imaterial ou invisível, é uma premissa básica do Espiritismo, que seria apenas um espiritualismo irreal e duvidoso, se a negasse ou a repudiasse. Essa comunicação, disciplinada e orientada para as suas verdadeiras finalidades, pode ser conseguida e mantida, desde que apliquemos à técnica de sua realização os ensinamentos de Allan Kardec contidos em O Livro dos Médiuns.
Esses ensinamentos de Kardec são verdadeiramente preciosos, porque vão muito além do ensino da técnica de comunicação com os Espíritos. É que, ao tratar o assunto <>, ele chama a atenção dos que com esta se ocupam, mostrando-lhes que: Todos os dias a experiência nos traz a confirmação de que as dificuldades e os desenganos, com que muitos topam na prática do Espiritismo, se originam da ignorância dos princípios desta ciência e feliz nos sentimos de haver podido comprovar que o nosso trabalho, foi com o objetivo de precaver os adeptos contra os escolhos de um noviciado, produziu frutos e que à leitura desta obra devem muitos o terem logrado evitá-los. Natural é, entre os que se ocupam com o Espiritismo, o desejo de poderem pôr-se em comunicação com os Espíritos. Esta obra se destina a lhes achanar o caminho, levando-os a tirar proveito dos nossos longos e laboriosos estudos, porquanto muito falsa idéia formaria aquele que pensasse bastar, para se considerar perito nesta matéria, saber colocar os dedos sobre uma mesa, a fim de fazê-la mover-se, ou segurar um lápis, a fim de escrever. Enganar-se-ia igualmente quem supusesse encontrar nesta obra uma receita universal e infalível para formar médiuns. Se bem cada um traga em si o gérmen das qualidades necessárias para se tornar médium, tais qualidades existem em graus muito diferentes e o seu desenvolvimento depende de causas que a ninguém é dado conseguir se verifiquem à vontade.
Muitos estudiosos do Espiritismo - encarnados ou desencarnados - têm-se manifestado quanto a importância e atualidade desta obra. Eis as impressões de um deles: Mais de cem anos depois de publicado, O Livro dos Médiuns é ainda o roteiro seguro para médiuns e dirigentes de sessões práticas, e os doutrinadores encontram em suas páginas abundantes ensinamentos, preciosos e seguros, que a todos habilitam à nobre tarefa de comunicação com os Espíritos, sem os perigos da improvisação, das crendices e do empirismo rotineiro, fruto do comodismo e da fuga ao estudo.

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(*) Instrução Prática sobre as Manifestações Espíritas - com a exposição completa das condições necessárias para se comunicar com os Espíritos, e os meios de desenvolver a faculdade mediadora com os médiuns. Zêus Wantuil e Francisco Thiesen: Allan Kardec. Cap.I (A Doutrina Espírita ou Espiritismo...), v.III, p.15.
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segunda-feira, 6 de julho de 2009

O Livro dos Espíritos

O Livro dos Espíritos, a primeira obra da Codificação, encerra as bases fundamentais do Espiritismo. De acordo com a folha de rosto, aí estão exarados os princípios da Doutrina Espírita sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da Humanidade - segundo os ensinos dados por Espíritos superiores com o concurso de diversos médiuns - recebidos e coordenados por Allan Kardec. A 1° edição, com 501 questões, contém o ensino dado pelos Espíritos, liderados pelo Espírito de Verdade. Receberam as mensagens as jovens médiuns Caroline e Julie Baudin, assim como a senhorita Japhet e outros médiuns.
Na segunda edição, que Kardec considerava definitiva, outros médiuns são utilizados. A obra, bem mais desenvolvida, se compõe, nesta edição, de 1018 questões, notas aditivas e comentários. Este livro, em sua estrutura geral, apresenta:

Introdução, composta de 17 itens, contém uma síntese da Doutrina Espírita. É aí que aparecem os termos espírita, espiritista e Espiritismo, criados por Kardec para indicar a crença na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo corporal.

Prolegômenos (*), que, encimados pela cepa (**) desenhada pelos próprios Espíritos, dão a conhecer a maneira como foi revelada a Doutrina; a autoria e finalidade do livro; os Espíritos que concorreram para a exeução da obra, e trechos das mensagens transmitidas a Kardec sobre a sua missão de escrever O Livro dos Espíritos.


Corpo da obra, dividido em quatro partes, de acordo com a tábua das matérias a saber:

Parte primeira - Causas primárias: Deus. Elementos gerais do Universo. Criação. Princípio Vital.

Parte segunda - Mundo espírita ou mundo dos Espíritos: Os Espíritos. A encarnação dos Espíritos. A volta do Espírito, extinta a vida corpórea, à vida espiritual. A pluralidade das existências. A vida espírita. A volta do Espírito à vida corporal. A emancipação da alma. A intervenção dos Espíritos no mundo corporal. As ocupações e missões dos Espíritos. Os três reinos.

Parte terceira - Leis Morais: Lei divina ou natural. Leis de adoração; trabalho; reprodução; conservação; destruição; sociedade; progresso; igualdade; liberdade; justiça, amor e caridade. A perfeição moral.

Parte quarta - Esperanças e consolações: Penas e gozos terrenos. Penas e gozos futuros.

Conforme se pode observar, a divisão das matérias não foi feita de modo arbitrário, mas, ao contrário, denota correspondência lógica, sequência de pensamento. As matérias aí contidas, distribuídas em ordem metodológica, partem das questões mais gerais para as especiais e, de igual modo, começam por especulações na ordem transcendental, indo até aos problemas práticos, próprios da natureza humana.

Conclusão, composta de nove itens, na qual o Codificador mostra as consequências futuras dos atos da nossa vida presente e, retomando os conceitos básicos da Doutrina Espírita, dá harmonioso arremate à obra.

Quando à autoridade de O Livro dos Espíritos, Kardec a atribui aos Espíritos.
Eis o que nos afirma nos Prolegônemos: Este livro é o repositório de seus ensinos. Foi escrito por ordem e mediante ditado de Espíritos superiores, para estabelecer os fundamentos de uma filosofia racional, isenta dos preconceitos do espírito de sistema. Nada contém que não seja a expressão do pensamento deles e que não tenha sido por eles examinado. Só a ordem e a distribuição metódica das matérias, assim como as notas e a forma de algumas partes da redação, constituem obra daquele que recebeu a missão de os publicar. Por outro lado, afirma Hermínio Miranda, não é intenção dos mensageiros espirituais - ao que parece - ditar um trabalho pronto e acabado, como um <<>> divino, de cima para baixo. Deixam a Kardec [ naturalmente inspirado por eles] a iniciativa de elaborar as perguntas e conceber não a essência do trabalho, mas o plano geral da sua apresentação aos homens. A obra [...] é um diálogo no qual o homem encarnado busca aprender com irmãos mais experimentados novas dimensões da verdade. É preciso, pois, que as questões e as dúvidas sejam levantadas do ponto de vista humano, para que o mundo espiritual as esclareça na linguagem simples da palestra [...].
Em suma, O Livro dos Espíritos é um repositório de princípios fundamentais de onde emergem inúmeras <> para outras tantas especulações, conquistas e realizações. Nele estão os germes de todas as grandes idéias que a humanidade sonhou tempos afora, mas os Espíritos não realizam por nós o nosso trabalho.
Em nenhum outro cometimento humano vê-se tão claramente os sinais de duas faces da vida - a encarnada e a desencarnada.

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(*) Prolegômenos: Introdução geral de uma obra. Prefácio.
(**) Cepa - Tronco de videira. Parte da planta a que se cortou o caule e que permanece viva no solo. Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
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sexta-feira, 3 de julho de 2009

A Codificação Espírita
































Verdadeira enciclopédia de ensinamentos transcendentais, a Codificação [...] foi o fruto, sazonado e bendito, de um plano arquitetado na Espiritualidade, havendo um de seus elaboradores concretizado a parte que lhe cabia desempenhar, já encarnado na Terra: Allan Kardec.
A Codificação Espírita compreende as seguintes obras, obedecendo à ordem de publicação:
- O Livro dos Espíritos (18 de abril de 1857);
- O Livro dos Médiuns (janeiro de 1864);
- O Evangelho Segundo o Espiritismo ( abril de 1864);
- O Céu e o Inferno (agosto de 1865);
- A Gênese (janeiro de 1868).
Cada obra contém a matéria exatamente necessária ao seu entendimento à época, mas, como a Doutrina é progressiva, embora os ensinamentos básicos perdurem, estes são complementados por estudos posteriores, sem que nada se modifique nos alicerces doutrinários expostos pelos Espíritos e por Kardec.